Por que os juros no Brasil são tão altos?
Aqui, abstenho-me de citar a famigerada concentração bancária ou questões políticas e orçamentárias. E antes de ter criado os dois primeiros (excelentes)times de motor de crédito de duas das maiores e mais bem sucedidas fintechs do mundo, em 2019 e 2020(Stone e Picpay), tive a oportunidade explorar o que era o mercado brasileiro sem LGPD.
Vou me limitar a um caso, obviamente, no qual criei um score baseado na geolocalização de clientes de um banco, com mais dezenas de outras variáveis de redes sociais, em uma amostra de 10 mil clientes na época (meados de 2017). O Score era muito bom, uma combinação de dados abertos e dados do IBGE, e no qual tínhamos feito um “depara” com dados de bureaus tradicionais. Em suma, conseguimos encontrar dados “alternativos” de geolocalização que permitiam prever, com boa acurácia, a classificação socioeconômica dos clientes.
Lembro que, cerca de uma semana depois, o time “Digital” (esse banco brasileiro não tinha sequer um cientista de dados, quiçá engenheiros, mas apenas analistas de BI e o time de TI) pegou três endereços aleatórios da base de teste e me retornou por e-mail, dizendo: “Anderson, é impossível dizer que uma casa desse tamanho, nesse bairro, é de classe média alta” (ainda incluíam links do Google Maps).
Três casos. Apenas três casos aleatórios foram suficientes para recusarem avançar na nossa POC gratuita na época (Nunca mais fiz POC grauita depois disso, nem palestra gratuita faço mais, depois que se ganha respeito no exterior, percebe-se a morosidade do mercado nacional). Eu desisti de argumentar, explicar o que era Recall ou F1-Score. Desisti de exemplificar que há comunidades às vezes atravessando bairros nobres ou que muitas vezes a pessoa pode morar na comunidade, mas passar as férias em Miami (eu mesmo, durante um período da minha vida, morei num apartamento no Morumbi que na verdade tinha o CEP da Favela de Paraisópolis e era, portanto, lá. Um modelo sem tais nuances fatalmente me colocaria em uma classe socioeconômica diferente da qual eu estava, sendo que no mesmo ano, eu passava as férias em Mônaco, algo que agora, mesmo morando em Alphaville, mas com uma filha em idade escolar, é algo quase impensável).
Tudo isso é para dizer que tenho absoluta certeza de que existem muitos modelos ruins, com juros altíssimos, sem levar em conta o RAROC (Retorno de Capital Ajustado ao Risco) e com muita gente provavelmente tomando decisões “Top-Down”, reforçando vieses, punindo bons pagadores e, ao mesmo tempo, sendo “brandos” com maus pagadores.
Apostaria que bilhões são deixados na mesa todos os anos no Brasil devido a modelagens de crédito mal feitas, com dados insuficientes, times incompetentes e decisões top-down. Já presenciei em reuniões até gestores de fundos de risco, acostumados a comprar “créditos podres”, titubearem na explicação e entendimento de modelagem de crédito com RAROC e machine learning, dizendo: “Ah, isso aí tem que tomar cuidado, gostava muito de estudar isso na minha época de USP, mas tem que tomar cuidado”, usando argumento de autoridade ($), e não deixando espaço para discussão.
Trabalhei um tempo atrás com micro-crédito nos EUA, e ficou ainda mais “gritante” como nosso mercado é imaturo. Concentração claro, ainda é um senão o maior dos problemas, mas a educação de matemática financeira dos próprios tomadores de decisões é algo surreal no Brasil. Nosso crédito e capital, comumente, não está nas mãos das pessoas mais brilhantes, mas com certeza na mão das mais poderosas.
Para mudar tudo isso, não dependerá apenas do governo ou do BACEN. Os modelos e políticas de crédito por trás afetam milhões de pessoas todos os anos.